quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Riograndenser Hunsrückisch


Foto: Poliana Einsfeld
Há um ano venho visitando a Serra Gaúcha, mais precisamente na cidade de Nova Petrópolis. E, desde então, entrei em contato com um novo mundo. Além de conhecer as belezas dessa cidade linda, conheci uma cultura diferente: a cultura do dialeto Hunsrückisch, um dialeto que surgiu com a colonização alemã na região da Serra Gaúcha e Vale do Rio dos Sinos.

Certa vez, numa das minhas idas a Nova Petrópolis, entrei em um bazar para comprar algum presentinho ou lembrancinha da cidade. De repente, começo a ouvir uma língua estranha com um timbre de voz infantil. Olho para o lado, e vejo uma criança de cerca de 5 anos conversando com a mãe em Hunsrückisch - língua que até então eu desconhecia.
Foto: Poliana Einsfeld
Aquele acontecimento me intrigou. Então comecei a pesquisar sobre o tal dialeto. Descobri que a o Instituto de Letras da UFRGS encontrou nessa variedade linguística um grande foco de estudos¹. Academicamente falando, os colonizadores alemães da região sudoeste da Alemanha trouxeram o alemão falado naquela região (também chamado Hunsrückisch), e este entrou em contato com o português falado aqui no Rio Grande do Sul; assim, a língua entrou em processo de variação, pois a língua também é social: com as novas necessidades de uma nova terra, de um novo contexto, surge uma demanda de palavras e estruturas frasais novas. Dessa forma, dessa língua trazida pelos imigrantes, originou-se o Riograndenser Hunsrückisch.

O engraçado é saber que, geralmente, os falantes de Hunsrückisch consideram esse dialeto (muitas vezes sua língua materna) uma língua errada ainda que hajam grandes estudos que apontam que o aprendizado de alemão padrão por falantes de Hunsrückisch é enormemente facilitado, pois há uma grande quantidade de estruturas similares e iguais entre o dialeto e o padrão. Provavelmente os falantes do dialeto desconheçam estes estudos.

Mas, apesar de considerarem-no errado, os falantes de Hunsrückisch são muito orgulhosos de suas raízes, e é muito comum ouvir aquele som germânico nas ruas de Nova Petrópolos (e acredito que nas ruas de outras cidades onde há presença do idioma). Tive a oportunidade de conversar com muitos falantes do dialeto, e descobri que eles conversam no dialeto em casa com seus familiares, mas que têm medo que a língua se perca por falta de falantes, visto que muitos dos seus filhos não falam o dialeto fluentemente. Em contrapartida a esse sentimento, tenho muitos amigos cuja língua materna até a idade escolar foi o Hunsrückisch. Tive também a oportunidade de presenciar encontros, churrascos, reuniões de pessoas - na esmagadora maioria, adultos - onde 80% do tempo falava-se Hunsrückisch. Eventos religiosos, culturais e municipais em geral também são ministrados no dialeto muitas vezes.

Foto: Poliana Einsfeld
Enfim, é sempre uma alegria viajar para Nova Petrópolis e poder presenciar o cultivo da cultura dessa língua. É um aprendizado enorme pra mim, tanto linguisticamente, aprendendo algumas palavras e expressões, quanto academicamente, podendo ver na prática a ocorrência de diversas teorias linguísticas. Não tive aqui a prepotência de ser um douto no assunto, mas tive a intenção de compartilhar coisas que nunca teria aprendido em livros senão vivendo. Se o leitor tem algo a dizer, criticar ou a compartilhar após essa leitura, sinta-se livre para comentar no campo abaixo e deixar sua contribuição.

Muito obrigado pela leitura.

Para maiores informações sobre os assuntos tratados acima, confira as referências bibliográficas.

Referências bibliográficas

¹ - Itens encontrados no Sistema de Bibliotecas da UFRGS referente a "Hunsrückisch".
- KÄFER, M. L. O Ensino de alemão como LE em contextos bilíngues português-hunsrükisch. 2010. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufrgs.br/da.php?nrb=000757821&loc=2010&l=1077356de63fe38d.
- PINKER, S. A. The Language Instinct: How the Mind Creates Language.
- ALTENHOFEN, C. V. Hunsrückisch : difusão e composição de uma variedade dialetal do alemão em contato com o português no Rio Grande do Sul/Brasil. Encontro de Variação Linguística do Cone Sul. Livro de resumos. Porto Alegre: UFRGS, 1996.
- As fotos presentes neste artigo são de Nova Petrópolis, de autoria de Poliana Einsfeld. Ambas disponíveis em: http://www.flickr.com/photos/ppoli/.

6 comentários:

  1. texto muito bom! parabéns, jon!
    conhecimento nunca é demais :)) continue sempre buscando-o!
    ah, e minhas fotos aliii! uuuhul HAHAH

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  2. parabéns jon! eu admiro a tua capacidade de escrever tão bem! esse texto só comprova isso :) acho muito legal o teu interesse em saber sempre mais e em compartilhar o que tu aprende com os outros... bem coisa de professor :) haha

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  3. Jooon, amei o texto! Muito legal saber disso porque eu também já tinha visto muitos adultos falando uma 'língua diferente' em Gramado, geralmente os mais velhos que moram nas colonias,e realmente não tem muitas crianças que sabem falar, é uma pena, acho bem diferente, uma forma de cultura única do RS =P Bom, gostei muito! Abração e continua mandando informações pra gente! haha

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  4. Só tenho a agradecer a vocês, minhas amigas queridas. Muito obrigado por estarem sempre presente em tudo o que eu faço. Sempre continuarei aprendendo coisas novas. Sempre vou compartilhar o que eu aprendo. E sempre continuarei mandando informações. Haha, obrigado de coração!

    Amo vocês.

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  5. Caro Jonathan, obrigado pelo relato. Eu também cresci com o Riograndenser Hunsrückisch e com o português. Moro nos Estados Unidos fazem muitos anos mas sempre mantive meu falar materno regional, e utilizo muito ele quando falo com minha mãe (tem dia que a gente fala quase só em Hunsriggisch, mas outras vezes é quase só o português, por exemplo dependendo da companhia, ou mesmo do assunto, a gente entra e fica na língua nacional). É verdade que a língua ancestral das pessoas no sul do Brasil ainda é motivo de vergonha e baixa estima; mas talvez isto se trate de um problema bem maior, sistemático, pois há outras minorias sociais no país que também sofrem desprestígio por parte da cultura dominante. Certa vez eu lí em algum lugar aqui nos EUA que a Gisele Bündchen tinha dito que falava alemão em casa quando pequena mas que tinha esquecido tudo (mas dizem que falar um idioma é como andar de bicicleta kkkkk...). Eu sempre ando publicando alguma coisa sobre o assunto na minha página no Facebook, se quiser me procure lá. Vielleicht tun mea uns noch in Facebook treffe un uns kennelenne, gell?! Um abraço. --Paul Beppler / Seattle, Washington - USA.

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  6. Olá, Paul!

    Agradeço-te a visita, que vem de tão longe, e o comentário. E muito obrigado também pelo relato de suas experiências.

    Realmente há um grande preconceito linguístico quanto às línguas dos imigrantes, quanto ao sotaque dos falantes dessas línguas. E certamente provém, sim, do instinto do ser humano, que tenta estabelecer um normal quando todos somos diferentes.

    Abraço.

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